Como os ODS podem guiar ações de combate à COVID-19

No final do ano de 2019, uma doença da síndrome respiratória aguda grave 2 (SARS-CoV-2) foi identificada, pela primeira vez, em Wuhan, província de Hubei, na República Popular da China. Era a COVID-19, causada por um novo tipo de...

No final do ano de 2019, uma doença da síndrome respiratória aguda grave 2 (SARS-CoV-2) foi identificada, pela primeira vez, em Wuhan, província de Hubei, na República Popular da China. Era a COVID-19, causada por um novo tipo de coronavírus não identificado até então. O vírus, então, se espalhou rapidamente ao redor do mundo, afetando (e sobrecarregando) não apenas sistemas de saúde, mas a economia, modelos de organização de trabalho e interação social como um todo, além de evidenciar as principais desigualdades existentes.

Diante de uma pandemia que continua a se alastrar, cientistas e governantes encontram dificuldades para definir um modelo padrão de combate à disseminação e contágio. O modelo mais aceito é o de isolamento social, com quarentenas periódicas para adaptação do sistema de saúde local e achatamento da curva de contágio. No entanto, é preciso criar condições para que as pessoas possam aderir a esse modelo, o que passa por garantir a manutenção de empregos e outras fontes de renda, acesso a alimentos, água potável, saneamento básico, entre outros serviços essenciais, para que não deixemos ninguém para trás nessa crise. Dentre elas, as pessoas que vivem em condições inadequadas de moradia, sem saneamento básico, são as mais afetadas e que têm mais dificuldades em implementar as medidas de higiene e limpeza necessárias para a contenção da disseminação do vírus, tendo em vista as precárias condições de vida a que estão submetidas.

Em um cenário de incertezas e no aguardo da produção de uma vacina para o coronavírus, os ODS nos lembram que ações integradas entre diferentes áreas e trabalho multisetorial têm maior efetividade para superar obstáculos e desafios. É nesse espírito que a Estratégia ODS apresenta este artigo, que relaciona os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável à situação atual.

Cada ODS pode – e deve – servir como guia para o enfrentamento da COVID-19. Veja como:

ODS 1

O ODS 1 tem, em diversas metas, o propósito de criar condições para que momentos de crise não aprofundem ainda mais a pobreza, impactando a vida de grupos vulneráveis. Um dos exemplos é a implantação de medidas e sistemas de proteção social adequados e a implementação de políticas que garantam o acesso a serviços básicos.

Principais ações práticas

– Doação de alimentos e cestas básicas para que famílias possam se adaptar à quarentena
– Manter empregos para que as pessoas consigam sustentar a família durante a quarentena
– Comprar mantimentos e produtos de pequenos negócios para estimular a economia local
– Ampliar e aprimorar programas governamentais de transferência de renda
– Considerar a proteção social como atividade essencial neste momento de crise

ODS 2

O ODS 2 envolve, diretamente, o bem-estar social. Em momentos de crise, o ideal é manter investimentos ao produtor agrícola e pescadores (especialmente os pequenos), com um olhar na adoção de uma economia mais sustentável.

Principais ações práticas

– Incentivos aos produtores agrícolas, especialmente os pequenos produtores de alimentos, com acesso ao crédito
– Campanhas de arrecadação de alimentos
– Doações empresariais para ONGs que auxiliem na distribuição de alimentos, de água potável e de gás de cozinha
– Distribuição de alimentos àquelas famílias cujos filhos estudam em escolas públicas e deixaram de se alimentar pela merenda escolar

ODS 3

O ODS 3 é o que mais se relaciona com a situação da pandemia, inclusive com metas como a redução de mortes por doenças transmissíveis. Com isso, pode ser criado um plano que utilize os ODS como guia para contenção e diminuição da transmissão da doença.

Principais ações práticas

– Orientar campanhas de conscientização e educação sobre a pandemia
– Fortalecer ações e investimentos para aprimoramento do SUS
– Doação de equipamentos de proteção para pessoas em situação de vulnerabilidade e profissionais de saúde
– Ampliar e aprimorar atendimento médico e psicológico remoto
– Oferecer testes de COVID-19 em domicílio ao promover testagens em massa associada à políticas de distanciamento social
– Abordar políticas de distanciamento social como um Direito à Saúde, e garantir que as pessoas possam adotá-las

ODS 4

Com a pandemia e escolas fechadas para muitos, o aprendizado remoto é inacessível para alguns. É necessário que as instituições de ensino criem condições e se adaptem para continuar os planos de aula através, por exemplo, da internet. Ou, então, planeje uma retomada controlada.

Principais ações práticas

– Implementação de conteúdo por videochamada
– Criação de conteúdos como publicações, webinars e cursos gratuitos por empresas, organizações e universidades
– Minimizar as barreiras de acesso à educação à distância, garantindo navegação não tarifada nas ferramentas, canais alternativos (como aulas em TVs públicas) e reforço escolar pós pandemia aos alunos que não conseguiam acesso ainda assim
– Readequação dos calendários escolares e de exames como vestibulares e ENEM para que estudantes em situação de maior vulnerabilidade não sofram desvantagem ainda maior dado o ano escolar atípico
– Disponibilizar acesso gratuito à internet, inclusive em comunidades indígenas e quilombolas

ODS 5

Os ganhos econômicos das mulheres estão em risco, assim como o aumento dos níveis de violência doméstica. As mulheres são maioria entre profissionais de saúde e assistência social, estando mais expostas à COVID-19. O ODS 5 serve como parâmetro para a redução das desigualdades, principalmente em momentos de crise.

Principais ações práticas

– Elaboração e implementação de um plano para garantir apoio necessário a mulheres (maioria) da linha de frente do combate à pandemia (e suas famílias)
– Criar condições de trabalho específicas para mães e pais que não podem levar os filhos para escolas e creches e/ou que são responsáveis por cuidado de idosos
– Instituição de políticas públicas e ações mais eficazes no combate à violência doméstica, que aumentou durante a quarentena, como canais alternativos de denúncia (por exemplo, via SMS ou aplicativos de mensagens)
– Abrigos e outras formas de acolhimento de mulheres vítimas de violência devem ser considerados serviços essenciais durante a pandemia, adotando medidas sanitárias adequadas
– Promover campanhas de sensibilização sobre a divisão de tarefas domésticas e do trabalho do cuidado

ODS 6

O ODS 6 pode ser utilizado como norte para a expansão da infraestrutura básica em áreas mais carentes do país. Pessoas que vivem em moradias com condições precárias encontram dificuldade para manter as principais recomendações de higiene e limpeza no combate à COVID-19.

Principais ações práticas

– Doação de álcool em gel e produtos de higiene para pessoas em situação de vulnerabilidade
– Instalação de chuveiros e bebedouros públicos, seguindo as orientações de segurança, para auxiliar as medidas de higiene
– Fornecer incentivos para que as companhias de água e saneamento básico não interrompam suas atividades
– Isentar consumidores de baixa renda do pagamento de contas de água e esgoto
– Garantir outras formas de acesso à água limpa para comunidades vulneráveis sem acesso ao serviço (como caminhões-pipa e outras ações)

ODS 7

A pandemia pode gerar escassez de fornecimento e redução dos quadros técnicos, enfraquecendo ainda mais a resposta e a capacidade do sistema de saúde. O ODS 7 pode promover o foco nos programas que pretendem expandir a infraestrutura necessária para fornecer energia elétrica para todos

Principais ações práticas

– Não interromper o fornecimento de energia elétrica durante a quarentena, mesmo sem o pagamento da conta de luz
– Isentar consumidores de baixa renda do pagamento de contas de energia elétrica

ODS 8

A situação atual causa uma redução das atividades econômicas e do crescimento econômico, e tem gerado desemprego. O ODS 8 propõe metas que incentivam produtividade, eficiência e inovação, importantes para fases como essa.

Principais ações práticas

– Manter o emprego de seus colaboradores durante a crise, com apoio dos governos por meio de políticas públicas
– Manter a estrutura econômica através de incentivos para pequenas e médias empresas durante a quarentena
– Possibilitar a realização de trabalho remoto e flexibillizar prazos e entregas, tendo em vista que não é possível garantir condições adequadas de trabalho
– Procurar adaptar o comércio para sistemas de delivery e/ou vendas digitais

ODS 9

As atividades de trabalho relacionadas à infraestrutura do país estão suspensas ou funcionando com menor intensidade, com menor potencial para novas ações. O ODS 9 pode guiar ações de financiamento e/ou incentivos para os mais diferentes setores.

Principais ações práticas

– Fornecer auxílio para setores como construção civil e logística de distribuição de alimentos
– Fornecer suporte aos profissionais de logística e transporte, como caminhoneiros, trabalhadores portuários
– Oferecer incentivos a projetos de pesquisa e desenvolvimento em ciência, tecnologia e inovação, em especial na cadeia da saúde, visando reduzir a dependência do mercado externo em alguns itens básicos
– Apoio na adaptação de outros equipamentos públicos para atenção hospitalar, visando o aumento do número de leitos

ODS 10

O ODS 10, de certa forma, conecta toda a Agenda 2030 e sua lógica de não deixar ninguém para trás. Em um momento de grande risco de ampliação de desigualdades, suas metas podem significar um norte de contraposição da tendência negativa.

Principais ações práticas

– Encaminhamento de reforma fiscal com aumento de progressividade na tributação
– Discussão de formas para implementar Renda Básica Cidadã
– Reforço de espaços de participação social e transparência das gestões públicas
– Incentivo ao investimento social privado e ao fortalecimento das organizações da sociedade civil e de suas várias frentes de atuação
– Considerar as desigualdades sociais como centrais no desenho de políticas públicas e de ações do setor privado

ODS 11

A população que vive em favelas e periferias fica mais exposta à COVID-19 devido à alta densidade populacional e falta de saneamento básico. A cidade é o espaço em que efetivamente se veem realizados os maiores problemas, conflitos e soluções. As metas relativas ao ODS 11 conseguem dialogar com a ponta dos macroproblemas, até mesmo na questão de oferecer transporte público seguro.

Principais ações práticas

– Planos específicos para prevenção de contágio nos aglomerados subnormais, assim como medidas de proteção e recuperação econômica
– Garantir mobilidade segura no transporte público àqueles que prestam serviços essenciais, assim como na reabartura gradual
– Garantir financiamento do transporte público para além da tarifa paga pelo usuário, de forma a assegurar disponibilidade e higienização de veículos, reduzindo tempo de espera e aglomeração de pessoas.

ODS 12

Redução no consumo e fortalecimento/incentivo a produção responsável diante da perspectiva de crise na produção e no abastecimento. Por outro lado, menor circulação de pessoas pode reduzir o consumo supérfluo e o descarte. As metas e parâmetros de consumo e produção responsáveis podem guiar os planos e protocolos para proteção e recuperação econômica da crise.

Principais ações práticas

– Redução de desperdícios nas cadeias logísticas de alimentos e direcionamento de seus excedentes (como sobras de final de feiras livres) para doações – Atenção aos descartes de resíduos nas cadeias produtivas e do setor de saúde
– Incentivo às cooperativas de reciclagem brasileiras, responsáveis por um alto índice de reciclagem de alumínio no país.

ODS 13

A pandemia pode reduzir o compromisso com a ação climática; contudo, também gera menos emissões de gases e efeito estufa com a diminuição da produção e das atividades de transporte.

Principais ações práticas

– Aprendizados acerca de coordenação e cooperação entre atores e países para gestão da pandemia podem guiar o enfrentamento às mudanças climáticas
– Poluição do ar pode agravar doenças respiratórias, como a covid-19. importante manter políticas de mitigação nesse caso para o presente e futuro, visto que o vírus provavelmente permanecerá circulando por um longo período

ODS 14 e 15

Ninguém fica para trás inclui preservar as demais especies que habitam os espaços aquaticos e terrestres do planeta. A gestão da crise da pandemia deve olhar de forma específica aos povos tradicionais e a defesa dos ecossistemas em que vivem para que sua forma de interação com o ambiente não caminhe para formas depredatórias diante da crise.

Principais ações práticas

– Planos de proteção econômica às comunidades ribeirinhas e beira-mar, evitando possível aprofundamento de exploração predatória dos rios e mares. Proteção também a quilombolas, e povos indígenas
– Políticas de saúde específicas para esses grupos, pois são ainda mais vulneráveis e com dificuldade em manter o isolamento social em suas comunidades
– Promover monitoramento e ações para reduzir desmatamento, mesmo frente à pandemia

ODS 16

O acesso a políticas públicas e projetos que visam mitigar os efeitos da crise depende, diretamente, da superação de barreiras relacionadas a conflitos e de instituições que garantam tal acesso.

Principais ações práticas

– Comunicação efetiva e constante do poder público a respeito da evolução da pandemia e das medidas tomadas
– Transparência em relação ao uso dos recursos públicos durante a crise e fortalecimento do controle e prevenção de corrupção no seu uso
– Garantir materiais de higiene e limpeza de presídios para evitar a disseminação do Covid
– Garantir atendimento médico e teste de Covid a pessoas privadas de liberdade
– Criar formas alternativas de cumprimento de pena para reduzir a superlotação de presídios e, por conseguinte, a disseminação do Covid e outras doenças
– Oferecer equipamentos de proteção individual para trabalhadores da segurança pública

ODS 17

A crise amplia a reação negativa contra globalização; mas também destaca a importância da cooperação internacional em saúde pública. O ODS 17 reafirma a importância das parcerias e cooperação entre atores e países para superação do atual momento.

Principais ações práticas

– Fortalecimento de acordos de cooperação internacional para mobilização de ações de combate, prevenção e cura da doença e de recuperação socioeconômica
– Fortalecer parcerias multisetoriais para enfrentamento ao covid e aos efeitos socioeconômicos
– Implementar formas alternativas de coleta de dados sociodemográficos