Não vamos deixar ninguém para trás – o desrespeito do Brasil à Agenda 2030

Alessandra Nilo e Fábio Almeida Pinto * Hoje completa três anos que o Brasil e os 192 países Estados-Membros da ONU assinaram a Agenda 2030 e aderiram aos 17 Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS). Neste dia histórico, a...

Alessandra Nilo e Fábio Almeida Pinto *

Hoje completa três anos que o Brasil e os 192 países Estados-Membros da ONU assinaram a Agenda 2030 e aderiram aos 17 Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS). Neste dia histórico, a Campanha de Ação dos ODS mobiliza ao redor do mundo a ONU, governos locais e nacionais, instituições e organizações de todos tipos, a mídia, grupos da sociedade civil, cidadãs e cidadãos para uma iniciativa global em prol dos ODS. Neste ano, a data coincide com a abertura do Debate de Alto Nível da 73ª Sessão da Assembleia Geral das Nações Unidas (Unga 73).

Aqui no Brasil há pouco para celebrar. Dificilmente alcançaremos as metas acordadas. O cenário preocupante é desenhado pelo Relatório Luz 2018, elaborado pelo Grupo de Trabalho da Sociedade Civil para Agenda 2030 (GT Agenda 2030). O documento foi construído por especialistas de todas as regiões do Brasil, de diferentes áreas, a partir dos dados oficiais disponíveis e aponta caminhos de como alcançar as metas. Foram analisadas 121 (das 169) metas dos ODS. O resultado aponta que o caminho trilhado nos últimos três anos pelo país é incoerente com a Agenda 2030.

Os desafios para o Brasil alcançar as metas da Agenda 2030 são muitos, estruturantes e complexos. Os orçamentos de políticas e programas importantes para a sociedade e para o meio ambiente estão menores ou zerados, enquanto crescem o endividamento público, a pobreza e a fome. Os abismos sociais entre ricos e pobres se aprofundam, consolida-se a exclusão histórica baseada em raças, etnias, identidade de gênero e orientação sexual; continuam os ataques às unidades de conservação e à legislação ambiental.

Os índices brasileiros de violência e desigualdades seguem entre os maiores do mundo e os problemas intensificam-se à medida em que as lideranças políticas progressistas não conseguem produzir convergências, a sociedade civil é alimentada por fake news e o desmonte dos principais mecanismos de proteção social e ambiental, conquistados ao longo de décadas, avança.

Apesar do funcionamento da Comissão Nacional dos ODS1 ー que já conta com seu plano de ação ー e o fomento à criação das comissões subnacionais, espaços estratégicos para fomentar a incorporação da Agenda 2030 ao planejamento e implementação de políticas públicas, muito mais há de ser feito para reverter as atuais crises política e econômica nas quais o País está mergulhado. As evidências trazidas pelo Relatório Luz 2018 tornam frágil o discurso dos poderes Executivo e Legislativo de adesão aos ODS.

A flexibilização das leis trabalhistas e a aprovação da Emenda Constitucional 95/2016 são símbolos irrefutáveis do descompromisso atual. Aliados à opacidade dos arranjos público-privados e ao rechaço às propostas de tributação progressiva, evidenciam os desafios de implementar uma política econômica voltada à sustentabilidade e ao bem-estar.

Quando o governo federal e o Congresso Nacional – não representativos dos perfis de gênero, raça e condição social da população brasileira, portanto distantes de sua realidade – optam por limitar pelos próximos 20 anos os gastos públicos em áreas críticas como saúde e educação, e por manter subsídios a combustíveis fósseis e setores intensivos em emissões de gases de efeito estufa e uso de recursos não renováveis, estão, obviamente, escolhendo o rumo da insustentabilidade e do retrocesso.

É essa realidade que nós, do GT SC A2030, trabalhamos para transformar, superando a falta de recursos, a imposição de padrões de funcionamento que limitam nossa ação social a projetos e, cotidianamente, enfrentando grupos privados de grande poder político e econômico cuja relação predatória com o Estado formam barreiras à implementação da Agenda 2030. E é urgente implementar a Agenda 2030, pois é urgente mudar a direção do Brasil.

O que queremos é possível e viável: políticas públicas planejadas para curto, médio e longo prazo fundamentadas na equidade e participação, na ética, no respeito aos bens comuns, às pessoas e ao planeta, que resultem, um dia, em sociedades pacíficas e prósperas. Esse futuro, apenas novos arranjos transparentes e inclusivos, entre todos os setores do Estado, poderão nos garantir. Sim, seguiremos articulados e monitorando essa Agenda. Sim, um outro Brasil, sustentável e justo, é possível.

O Brasil tem imensas potencialidades. É um gigante que não pode ser deixado para trás. Contamos com a sua indignação. Não vamos deixar ninguém para trás.

* Alessandra Nilo e Fábio Almeida Pinto são co-facilitadores do GT SC A2030.

Fonte: Congresso em Foco