Sem Sociedade Civil, Atingir os ODS é Objetivo Insustentável no Brasil

Autor: Estratégia ODS  O país cujo desempenho é considerado referência internacional no cumprimento dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM) corre o enorme risco de trilhar uma rota bastante distinta em relação aos...

Autor: Estratégia ODS 

O país cujo desempenho é considerado referência internacional no cumprimento dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM) corre o enorme risco de trilhar uma rota bastante distinta em relação aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS). O Brasil está entre os países que apresentarão o relatório voluntário de monitoramento da Agenda 2030 no High Level Political Forum deste ano e, infelizmente, o que será levado a Nova York é bastante preocupante.

Na realidade, o conteúdo do relatório voluntário ainda é uma enorme incógnita: elaborado a portas fechadas pelo Governo Federal, a sociedade civil não só desconhece o conteúdo do documento como não participou da sua elaboração, embora os representantes da sociedade civil da Comissão Nacional dos ODS já tenham sido selecionados. Desde 25 de abril de 2017, os representantes aguardam a instalação efetiva da Comissão bem como a oportunidade de contribuir com a elaboração do relatório voluntário nacional, que é mandato da comissão.

“[Brasil relatório voluntário de monitoramento]..a sociedade civil não só desconhece o conteúdo do documento como não participou da sua elaboração…”

O Brasil é o único país da América Latina a ter constituído, até o momento, um mecanismo com representação paritária entre governo e sociedade civil dedicado ao processo de implementação da Agenda 2030. A criação da Comissão Nacional para os ODS é, sem dúvida, um passo importantíssimo neste processo, mas ainda há poucos indicativos concretos sobre como será efetivamente o envolvimento e a relevância deste órgão consultivo no processo de implementação dos ODS no país.

Uma conquista recente da sociedade civil foi a criação de uma Frente Parlamentar Mista de Apoio aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, resultado da mobilização e articulação do GT da Sociedade Civil na Agenda 2030 (GTSC A2030). Com parlamentares dos mais diversos partidos e espectros políticos, sua composição é desafiadora para a construção de consensos sobre pautas que impactarão diretamente os ODS, entretanto, este é mais um mecanismo relevante que requer profunda atuação da sociedade civil para que este espaço dentro do Congresso Nacional brasileiro tenha um papel realmente significativo de defesa e garantia do cumprimento desta agenda.

Que riscos corre o Brasil na implementação dos ODS?

O país vive atualmente uma crise política sem precedentes que, aliada a uma conjuntura de forte recessão econômica, impacta diretamente os rumos da Agenda 2030. Sendo uma agenda que requer não somente ajustes de governança na coordenação de políticas públicas, mas também a ampliação de investimentos públicos, os sinais emanados do Governo Federal e do Congresso Nacional são preocupantes. Por exemplo,

as medidas de ajuste fiscal tomadas pelo governo anunciam como resultado retrocessos significativos nos três pilares do desenvolvimento sustentável – social, econômico e ambiental – associados ao encolhimento já reconhecido dos diálogos entre governo e sociedade civil.

Tamanha inquietação reside tanto no avanço em ações, legislações e políticas públicas que vão na contramão do desenvolvimento sustentável quanto na forma como o atual governo brasileiro tem guiado os processos que se referem à implementação dos ODS no país.

E qual a saída neste momento?

Em primeiro lugar, a sociedade civil tem elaborado seus próprios relatórios nacionais, que contribuirão para os debates sobre os desafios de implementação nacionais, como o já lançado Relatório Luz da Sociedade Civil, elaborado pelo GTSC A2030. Em segundo lugar,

reiteramos o que nunca nos foi dúvida: é preciso investir na implementação subnacional desta agenda, no desenvolvimento de políticas públicas nos territórios onde a vida das cidadãs e dos cidadãos se faz e onde a transformação efetivamente acontece à medida em que o desenvolvimento sustentável avança.

Assim, enquanto empurra-se para frente o momento de dar à Agenda 2030 a centralidade que necessita em âmbito nacional, temos nos espectros locais uma importantíssima janela de oportunidades: o início das novas gestões municipais em 2017. Apesar das especificidades que caracterizam os momentos de transição de governo, as cidades brasileiras estão em fase de planejamento plurianual. E a sociedade civil tem se articulado e incidido de forma a levar os ODS como eixo norteador para a ação dos governos subnacionais em todo o país.

É verdade que, por estarmos no segundo ano de implementação desta nova agenda, há ainda um caminho importante de sensibilização, compreensão e apropriação de seus preceitos e de seu valor. Sobretudo trazendo luz ao caráter “pedagógico” por meio do qual ela pode e deve ser vista, servindo de ferramenta para que os desafios que estão há muito tempo postos à nossa sociedade sejam enfrentados e, quiçá, superados.

Reduzir as desigualdades, assegurar a igualdade entre os gêneros, garantir acesso universal a serviços de saneamento básico, fortalecer as instituições democráticas, reduzir os índices nacionais de violência, por exemplo, não são pautas novas.

Mas ganham com os ODS a grande oportunidade de construção de uma abordagem e construção de soluções integradas, promovendo diálogos e possibilidades riquíssimas de cooperação entre os distintos atores e setores da sociedade.

Essenciais, aliás. Sem o engajamento profundo dos governos, das empresas, da sociedade civil organizada e da academia, cada qual com seu papel e suas responsabilidades e, sobretudo, em colaboração, desenvolver uma agenda como a dos ODS será insustentável.

Hoje, infelizmente, o Brasil parece avançar na contramão dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável. E a sociedade civil brasileira tem, em sua ampla diversidade e mais do que nunca, papel fundamental – não apenas por meio do controle social, mas enquanto produtor de soluções, informações e dados – na tentativa de desviar este caminho e recolocar o Brasil no rumo do desenvolvimento sustentável sem deixar ninguém para trás.


Sobre o autor: A Estratégia ODS é uma coalizão que reúne organizações representativas da sociedade civil, do setor privado, de governos locais e da academia com o propósito de ampliar e qualificar o debate a respeito dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável no Brasil e de mobilizar, discutir e propor meios de implementação efetivos para essa agenda. www.estrategiaods.org.br 

Juntos 2030 (Together 2030) é uma iniciativa da sociedade civil que reúne mais de 500 organizações de cerca de 90 países para promover a implementação da Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável e fazer o monitoramento de seu progresso.