Recuperação Econômica Inclusiva na prática: Desburocratização e investimento público municipal para o crescimento econômico
Um dos documentos que formam a base para refletir sobre boas práticas de desenvolvimento econômico é o Índice de Cidades Empreendedoras.
Realizado pelos especialistas da Endeavor junto com a Escola Nacional de Administração Pública (ENAP), o documento elenca sete determinantes para um município ser considerado atrativo aos investimentos, como mostra o quadro abaixo:
Com foco na determinante ambiente regulatório, a pesquisa Doing Business Subnacional Brasil 2021 apresenta uma análise comparativa do ambiente de negócios dos 26 estados e do Distrito Federal. A publicação, produzida pelo Grupo Banco Mundial, traz um conjunto de cinco indicadores que medem aspectos da regulamentação que permitem ou impedem os empreendedores de abrir, operar ou expandir uma empresa. São eles:
Abertura de empresas: registra os procedimentos, tempo, custo e exigência de capital mínimo necessários para o início das atividades de uma empresa. Também por esse indicador são analisados os aspectos relacionados à igualdade de gênero, a partir da avaliação de práticas discriminatórias.
Obtenção de alvará de construção: registra procedimentos, tempo e custo
necessários para construção de um prédio e conectá-lo à rede de abastecimento de água e saneamento. Inclui também um índice de controle de qualidade da regulamentação e implementação da construção.
Registro de propriedades: registra procedimentos, tempo e custo necessários para que uma empresa adquira uma propriedade comercial de outra e possa transferir o título da propriedade para o seu nome. Inclui também o índice que avalia a qualidade da administração fundiária.
Pagamento de impostos: registra os impostos e contribuições obrigatórias que uma empresa de médio porte deve pagar ao longo de um ano, bem como o ônus administrativo relacionado com o pagamento de impostos e contribuições e processos pós-declaratórios.
Execução de contratos: registra o tempo e o custo necessários para a resolução de um litígio comercial. Avalia a existência de boas práticas no sistema judicial.
Os critérios de avaliação são também um guia de análise que gestões municipais podem aplicar aos seus próprios processos. A combinação de alguns indicadores do Doing Business com as determinantes apresentadas pelo relatório da Endeavor e ENAP, é observada em Novo Hamburgo (RS) e também em Extrema (MG) e foi fundamental para manter a economia saudável no período da pandemia, gerar emprego e seguir o plano de desenvolvimento econômico.
Caso de Extrema (MG) – Como a cidade atraiu investimentos a partir da desburocratização e da valorização de ativos ambientais?
Quem está acostumado a viajar pela Rodovia Fernão Dias (BR-381), que liga a Região Metropolitana de São Paulo (SP) à Região Metropolitana de Belo Horizonte (MG), já sabe que Extrema está bem na divisa entre os estados. No lado mineiro do caminho, Extrema é a cidade que mais cresce em sua região. Sua população estimada de 36.951 habitantes (IBGE, 2020) deve
alcançar os 50 mil nos próximos anos, de acordo com o planejamento da Secretaria Municipal de Desenvolvimento Econômico.
Hoje a cidade compõe a vitrine dos exemplos de prosperidade, mas nem sempre foi assim. Há quase 20 anos, em 2003, na esteira da Agenda 21,
Extrema construiu um Plano de Desenvolvimento Econômico com foco no longo prazo, abarcando ações até 2020. Naquele momento, 30 organizações públicas e da sociedade civil foram convidadas a fazer parte das discussões. Um dos objetivos do documento era diversificar a economia do município, tornando a cidade um polo de desenvolvimento econômico e social. “Começamos com poucos recursos e cada ciclo é sempre um passo adiante. No início do plano, Extrema não tinha dinheiro e vivia de repasses estaduais e federais”, diz Adriano Carvalho, secretário municipal de Desenvolvimento Econômico e Empreendedorismo de Extrema no período de janeiro de 2017 a maio de 2021. Em 2010, Extrema tinha a sexta economia da região, com um PIB de R$ 1,8 bilhão. Em 2015, saltou para terceira posição, com R$ 5 bilhões; em 2017 foi a R$ 7,5 bilhões e em 2018 alcançou R$ 9,5 bilhões, destacando-se como a principal cidade do Sul de Minas Gerais, de acordo com dados do IBGE.
“O sonho de todo município é atrair grandes empresas”, afirma Carvalho. Ele explica os três principais critérios usados pela administração pública para prospectar empresas. O primeiro ponto é observar o potencial de geração de empregos, pois algumas empresas contratam um bom número de pessoas. O segundo é a empresa trabalhar com produtos de alto valor agregado, aumentando a arrecadação municipal. Se a potencial empresa não se enquadrar em um dos dois primeiros critérios, o terceiro é ser famosa e/ou inovadora, contribuindo diretamente para levar à cidade um olhar para o futuro. Nos últimos anos, empresas como Ambev, Bauducco, Magazine Luiza, Mercado Livre, Mobly, Pernod Ricard, Tok&Stok e Via Varejo, entre outras, se instalaram na cidade.
Adriano Carvalho, que também é empreendedor e tem uma loja de produtos infantis, já sentiu na pele as dificuldades que as empresas enfrentam com a burocracia. “Quando uma empresa está procurando uma
cidade para se instalar, para criar um centro de distribuição, busca as melhores condições para prosperar. Por isso, precisamos ter atenção com a localização, a logística, a mão de obra qualificada e a oferta de energia
elétrica”, explica. Segundo ele, em Extrema, 99% de tudo que uma empresa precisa para estar na cidade não depende de assinaturas do prefeito, por exemplo. Além disso, em um convênio com o Governo do Estado de
Minas Gerais, Extrema consegue realizar, desde 2018, o licenciamento ambiental dentro do município de todos os empreendimentos até a classe 4, o que inclui, por exemplo, uma indústria de fundição e negócios como
a Bauducco, a Kopenhagen e a Panasonic. Algo que antes demorava entre seis e nove meses para liberação, atualmente é mais rápido.
Um dos principais fatores de sucesso para um plano de longo prazo prosperar em Extrema foi a continuidade. Ao observar os resultados, os novos prefeitos que se alternavam na gestão municipal deram sequência ao que foi pensado em 2003. Um exemplo disso foi o investimento na qualificação da mão de obra local com as bolsas estudantis para o ensino universitário. Quando o projeto começou, há 16 anos, a prefeitura dava bolsas a 100 estudantes. Ao longo dos anos, o benefício alcançou 700 estudantes, sem interrupção da iniciativa. Se em 2010 apenas 10%
dos salários eram superiores a R$ 3 mil mensais, em 2020 praticamente 40% dos salários ultrapassavam essa cifra. Graças também à qualificação da mão de obra e à boa oferta de empresas, a cidade registra uma taxa de desemprego de 3% e consegue absorver com rapidez os novos habitantes que se mudam para Extrema. A concessão de bolsas é, inclusive, uma
das ações previstas em planos como o “American Families Plan”, dos Estados Unidos, e o “Programa de Estabilização Econômica e Social”, de Portugal. Respeitando a capacidade local para a realização deste tipo de investimento, a prática pode ser replicada também em outros municípios. Como demonstrado no caso de Extrema, o investimento em qualificação
profissional também se reverte em ganhos para o desenvolvimento socioeconômico e pode contribuir na rota para a recuperação econômica mais inclusiva.
De olho no meio ambiente
Outro fator que contribui para Extrema ser vista como município modelo é a preocupação com o meio ambiente. Em 2005, a cidade criou o Programa
Conservador de Águas. Nos objetivos estavam, entre outros, a necessidade de melhorar a qualidade e a quantidade de recursos hídricos, conservando os mananciais, a adequação ambiental das propriedades rurais, a preocupação com os processos de erosão e sedimentação, e a necessidade de aumentar a cobertura vegetal da cidade. O principal rio de Extrema, o Jaguari, faz parte das bacias que integram o Sistema Cantareira, origem de mais de 50% do abastecimento de água da Região Metropolitana de São Paulo. Naquele momento, a cidade tinha amplas pastagens, pouca vegetação nos entornos de morros e nas nascentes. A principal atividade econômica era a pecuária extensiva e não havia coleta de lixo na área
rural.
O projeto se tornou lei municipal e venceu vários prêmios incluindo o “Prêmio Internacional de Dubai 2012 de Melhores Práticas para Melhoria das Condições de Vida”, promovido pelo Programa das Nações Unidas
para Assentamentos Humanos (Habitat/ONU). “O projeto nasceu com um fusca e uma mula”, relembra Adriano Carvalho. Eram esses os meios de transporte para chegar às propriedades rurais. Pelo projeto, as propriedades rurais são mapeadas e recebem da Secretaria Municipal de Meio Ambiente uma série de ações a implementar e de metas a atingir, de acordo com as características de cada propriedade. Ao aderirem ao projeto, os proprietários rurais recebem o valor equivalente a 100 UFEX (Unidade Fiscal de Extrema) por hectare, equivalente a R$312/hectare/ano em 2021.
O que aprendemos com Extrema?
O poder público municipal é capaz de criar atrativos de investimentos a partir da desburocratização e consequente melhoria do ambiente de negócios e, até, por meio da valorização de ativos ambientais importantes para determinados setores. Atrair investimentos, ou seja, empresas, traz vantagens diretas para a gestão pública com o aumento do orçamento, principalmente de tributos próprios (ISS, IPTU, taxas e outros). A partir dessas receitas, que são livres, é possível implementar novas políticas públicas e ampliar os investimentos.
Outro aspecto relevante para o município é que, ao atrair empresas e se consolidar como um polo de desenvolvimento, outros empreendimentos também se instalam, ampliando o número de empregos e a geração de renda aos trabalhadores, produzindo um ciclo de desenvolvimento local ou os spillovers positivos. O crescimento, muitas vezes, ultrapassa as fronteiras municipais, criando distritos ou polos regionais de desenvolvimento, tornando a região em si um espaço de atração produtiva.
Ainda que Extrema não apareça no Índice de Cidades Empreendedoras (Índice analisa as 100 maiores cidades brasileiras), a cidade apresenta
elementos essenciais para ser considerada um caso de empreendedorismo. O relato mostra que o município investe em capital humano a partir da qualificação da mão de obra local com a distribuição de bolsas de estudo; tem uma localização estratégica e infraestrutura adequada, tornando-se um polo industrial atrativo em termos de logística, já que se encontra no caminho entre São Paulo e Belo Horizonte, além da proximidade com a região de Campinas.
O ponto forte é que Extrema não tem especialização econômica, o que reduz a vulnerabilidade e os riscos diante das crises e amplia as ofertas de emprego em diferentes áreas, tornando o município mais resiliente, ou seja, resistente a choques. A partir de um plano de desenvolvimento econômico de longo prazo, as diferentes gestões municipais mantiveram as ações propostas, qualificaram e consolidaram as condições para atração de investimentos, tendo foco na gestão eficiente e na intersetorialidade das pastas (secretarias).
É importante olhar para o futuro
Planos de longo prazo tornam os municípios mais resistentes aos problemas e choques externos, com maior capacidade de reagir. Graças a visão de longo prazo desenvolvida em Extrema (MG) foi possível continuar ações em prol do desenvolvimento e ainda gerar empregos, enquanto outros municípios viam seus empreendimentos fechando com a pandemia. O Índice de Cidades Empreendedoras destaca a simplificação e agilidade
na abertura de empresas e outros processos, como o licenciamento. A desburocratização é atraente aos investidores, além de representar ganhos à administração pública pois aumenta a coordenação, tornando o serviço público mais eficiente. Ainda, quando digitalizada, pode diminuir o número de agentes públicos e servidores envolvidos no processo.
A maior agilidade acelera o retorno na arrecadação dos tributos, facilita e incentiva empresas a ingressarem no mercado formal e, dessa forma, recolher licenças, taxas e impostos. Há ganhos decorrentes da formalização mais subjetivos, como o incremento na qualidade de dados, permitindo aos municípios qualificarem o planejamento urbano e de desenvolvimento econômico, com a definição da vocação econômica de cada região, e outras informações como os tipos e portes de negócios existentes no território. Com a organização de dados e a formalização dos negócios locais é possível ter ações públicas específicas para determinados empreendimentos (ENAP, 2019).
A qualificação da mão de obra e as capacidades institucionais da gestão pública são considerados fatores locacionais que garantem às empresas instaladas nos municípios a possibilidade de incrementar a competitividade e lucratividade no mercado nacional e internacional. A partir da racionalização e simplificação de processos e procedimentos administrativos, a desburocratização do setor público é uma grande aliada na modernização da administração. Por fim, outro aprendizado decorrente dos casos apresentados é a percepção de que incentivos não precisam ser somente aqueles ligados à renúncia fiscal, há outras maneiras de impulsionar as empresas locais.
O que os municípios podem fazer?
- Desburocratização e facilitação de abertura e fechamento de empresas
- Elaborar Carta de Serviços com os serviços de atendimento a empreendedores e empresas
- Digitalização dos processos burocráticos relacionados aos negócios
- Valorização dos ativos ambientais além de outras potencialidades e diferenciais municipais
- Identificação da vocação econômica municipal
- Identificar potenciais regionais
- Buscar ativamente novos investimentos e empresas
- Desenvolver políticas de preservação ambiental tanto com a comunidade local quanto como atrativo para empresas
Quer saber mais? Acesse a publicação “Recuperação Econômica Inclusiva: Um guia com boas práticas e soluções para municípios com referências e aprendizados”.